Autismo: causas, aumento de diagnósticos e o que está por trás dos números

Com influência genética e ambiental, o autismo ainda desafia a ciência. Os diagnósticos aumentam, mas a desinformação continua sendo um obstáculo real.
Luana Araujo
Publicado em 24/06/2025 - 12:17 - Revisado em 11/07/2025 - 14:55

O autismo – ou melhor, o transtorno do espectro autista (TEA), já que é uma condição que apresenta diversas formas clínicas de manifestação, desde casos leves a outros de maior grau de exigência de cuidado – é resultado de alterações do neurodesenvolvimento. Isso significa que, durante a formação do sistema nervoso das pessoas, que acontece com particular velocidade principalmente no primeiro trimestre da gestação, o crescimento dos neurônios e conexões cerebrais resultantes são diferentes quando comparados à média das pessoas típicas. Clinicamente, as manifestações são diversas e seu diagnóstico, que é apenas clínico, um potencial desafio.

Os casos estão aumentando?

Sim, estão, mas é difícil saber a magnitude deste aumento.

Uma vez que não existem marcadores laboratoriais – nem exame de sangue, nem exame de imagem podem sugerir, muito menos definir um diagnóstico de TEA, sendo o diagnóstico determinado pela avaliação criteriosa das alterações comportamentais – é o nosso entendimento e habilidade clínicas sobre o transtorno que influenciam na nossa capacidade diagnóstica.

Ou seja: conforme fomos, ao longo dos anos, entendendo mais sobre o TEA, seu critérios diagnósticos foram mudando. Há cerca de 70 anos, entre as décadas de 1UG0 e 70, o autismo era definido de maneira muito mais rígida e restrita. Nesta época, atendendo a este critério, os poucos e pequenos estudos levavam a estimativas de 2 a 5 casos a cada 10 mil crianças recebendo este diagnóstico. Nos anos 2000, pela evolução do conhecimento e mudança do critério diagnóstico, chegamos a 66 casos para cada 10 mil crianças nos EUA. 

Em 2013, houve mais uma grande mudança nos critérios diagnósticos, mas ainda não sabemos o impacto dessas alterações nos números de casos. Veja abaixo um gráfico produzido com os dados das estimativas agrupadas de estudos sobre o assunto, compiladas pelo CDC americano:

Fonte: CDC

Mas são somente os critérios diagnósticos os responsáveis pelo aumento do número de casos? Aparentemente, não. Um aspecto a se considerar é a conscientização da própria população. Entendendo que hoje se classificam dentro do espectro autista pessoas com manifestações clínicas bastante amplas e diversas, muitas famílias atualmente buscam o diagnóstico que, por vezes, é feito apenas nos indivíduos adultos, trazendo esclarecimento e alívio muito aguardados.

Ainda assim, a Rede de Monitoramento do Autismo e Deficiências do CDC dos EUA (ADDM-USA), que utiliza a mesma metodologia diagnóstica há 25 anos, registrou um aumento desses casos. Então, para além dos critérios mais amplos, e da conscientização de profissionais e população, pode ser que algum outro fator esteja influenciando no aumento dos casos de TEA como vemos hoje.

Afinal, o que causa o autismo?

Já falei em outro artigo (acesse aqui) que as vacinas não causam autismo. Sobre isso, não há nenhuma dúvida. O que podemos considerar é que, como toda condição de saúde, certamente o TEA tem origem multifatorial, provavelmente uma mistura de fatores genéticos e ambientais.

Estudos hoje estimam em cerca de 85% o peso da influência genética no transtorno. Já os fatores ambientais, responsáveis pelo restante, são formados por itens diversos que vão desde a idade materna e paterna mais avançadas, por alterações na qualidade de óvulos e espermatozoides, mas também a gravidez precoce; uso de medicações como alguns anticonvulsivantes durante a gestação, especialmente no primeiro trimestre (aqui, muita calma, é aumento de risco, não é garantia de diagnóstico!); infecções durante a gestação; prematuridade; até fatores externos, como poluição do ar (olha aí a ação humana!) parecem ter papel na etiologia do autismo.

Portanto, ao invés de estarmos discutindo associações inexistentes como a falsa ligação entre vacinas e autismo, vulnerabilizando pacientes e seus familiares, causando angústia e culpa em mães, submetendo crianças e adultos a terapias fraudulentas e covardes, além de, ainda, estarmos gastando energia, tempo e dinheiro com essas mentiras, deveríamos estar dedicando nossa atenção e recursos à investigação do que ainda falta saber sobre o transtorno.

Qualquer decisão ou ação que reforce informações inverídicas deveria ser tratada como crime – e todos nós deveríamos reivindicar isso. Não é possível permitirmos que criminosos prosperem na vida às custas do sofrimento de tanta gente.